Quem joga nos "níveis épicos"?
- Bruno Akira
- 9 de jan. de 2018
- 6 min de leitura

"Os aventureiros entram aos poucos no covil do grande dragão vermelho ancião. O Bárbaro toma a frente já com os olhos queimando em fúria enquanto é abençoado pelo Clérigo do grupo. O Paladino saca sua espada enquanto tenta sentir o poder vil daquela criatura ancestral. O Ranger tenta ver se os rastros que ele encontrou mais cedo são de fato daquele famoso dragão vermelho que domina toda aquela área montanhosa ou seria de algum possível dragão mais jovem.
O Mago sente a presença de uma forma terrível tomando forma de um cone atrás dos seus companheiros porém é tarde demais, um turbilhão de fogo engolfa o Paladino e o Bárbaro que estavam mais a frente enquanto o Ranger consegue sair por muito pouco daquele ataque feroz. O Clérigo já prepara suas orações para revitalizar seus companheiros quando, após todo aquele tornado flamejante acabar, ele vê seus amigos inteiros com leves queimaduras por cima das armaduras e equipamentos.
O dragão sorri e diz num tom que estremece todo o covil - Vejo que vocês vão me divertir muito mais que eu imaginei. Preparem-se para conhecer a morte! -
O Paladino gargalha junto com o Bárbaro e ambos dizem em coro - Mais uma vez? -"
Campanhas épicas com personagens numa escala de poder que vai além dos heróis de grandes cidades. Drizzt é um grande exemplo de alguém que conseguiu escapar do submundo vivo e enfrentou lordes demônio de igual pra igual. Outros vários heróis menos afortunados de poder como Sam e Frodo destruíram uma força tão descomunal que ficaram conhecidos como salvadores de toda terra-média e várias outras histórias colocam aventureiros, sejam eles muito fortes ou apenas muito sortudos contra alguma criatura maligna de poder imenso que poderia destruir todo um continente ou pior, toda uma existência.
Mas por que essas campanhas não são divertidas para jogadores? Por que vez ou outra em postagens em redes sociais vemos comentários como "ninguém joga nesse nível" ou "quem joga com um personagem nível 16?".
Uma campanha de escala épica é tão ruim assim?
Eu jogava e mestrava em um certo grupo de amigos e possuíamos um consenso em comum em ambas as mesas: "Jogar até o personagem ser forte o bastante para ser um NPC". Isso basicamente significava, fique nível máximo, tenha MUITO ouro acumulado, pelo menos algumas posses como um castelo, fortaleza ou algo parecido e ter alguma importância GRANDE naquela campanha (salvou uma cidade grande de alguma ameaça muito tensa) e com isso o jogador conversava com o mestre e assim seu personagem seria imortalizado (caso ele quisesse fazer isso, claro) no mundo de campanha que o grupo estava jogando.
Eu nesses vários anos com esse grupo tive poucos personagens, menos ainda que sobreviveram as aventuras e apenas 3 que tiveram a honra de serem imortalizados como NPCs e isso com anos de jogo. AD&D passou, 3e e 3.5e passaram, 4.0 (que eu nem cheguei a jogar) e por fim a 5e trouxe o "nível final" e a divisão de níveis por tiers:
Tier 1 (níveis 1–4), os personagens são efetivamente aventureiros aprendizes. Eles estão estudando sobre as peculiaridades que os definem como membros de uma classe em particular, incluindo as principais escolhas que identificam suas características de classe à medida em que elas avançam (como a Tradição Arcana do mago ou o Arquétipo Marcial do guerreiro). As ameaças que eles enfrentam são relativamente menores, geralmente representando perigo para chácaras locais ou aldeias.
Tier 2 (níveis 5–10), os personagens já estão por conta própria. Os conjuradores ganham acesso ao 3º nível de magia no início desse estágio, alcançando um novo limiar de poder mágico com magias como bola de fogo e relâmpago. Nesse estágio, muitas classes que utilizam armas adquirem a habilidade de realizar mais de um ataque por rodada. Esses personagens tornaram-se importantes, enfrentando perigos que ameaçam cidades e reinos.
Tier 3 (níveis 11–16), os personagens atingem um nível de poder que os coloca muito acima da população em geral e os torna especiais até mesmo entre os aventureiros. No 11º nível, muitos conjuradores passam a ter acesso a magias de 6º nível, algumas das quais criam efeitos antes impossíveis de alcançar para os personagens dos jogadores. Outros personagens ganham benefícios que os permite realizar mais ataques ou fazer manobras impressionantes com tais ataques. Esses aventureiros poderosos muitas vezes confrontam ameaças em regiões e continentes inteiros.
tier 4 (níveis 17–20), os personagens estão no auge de seus benefícios de classe, tornando-se arquétipos heroicos (ou vis) por seus próprios méritos. O destino do mundo ou até mesmo a ordem fundamental do multiverso pode estar em jogo durante suas aventuras.
Mas agora por que para alguns jogadores esses últimos níveis não são interessantes ou simplesmente "não jogáveis"?

O que acontece, na minha opinião (o que pode dividir MUITAS opiniões) é que devido aos desafios não serem bem estruturados pelos mestres, os jogadores começam a não sentir nenhuma dificuldade nas atividades propostas ou pior, sentem uma dificuldade "virtual" e mal feita (um monte de monstro muito forte com magias muito fortes e muito HP). Por causa disso as aventuras perdem a sensação de perigo e os jogadores começam a atropelar tudo e todos ou então fazer death saves o tempo todo, sendo que nenhuma das formas é legal. Isso se torna ainda mais evidente em grupos onde o combate é o ponto principal pois muitas vezes a campanha perde totalmente a pouca profundidade que tinha e se torna vários encontros contra monstros que os jogadores vão destruir ou ser destruídos por e isso definitivamente iria desanimar qualquer tentativa de "grinding" para níveis mais altos.
A forma que eu levo minhas mesas e que foi "ensinado" pra mim quando eu era jogador é fazer com que os personagens sejam IMPORTANTES para o mundo que estão. O mestre tem que fazer aquele Paladino nível 16 alguém importante como um símbolo de paz e justiça. Aquele Ladino nível 17 deve ser alguém conhecido por ter roubado o olho de safira de algum templo MUITO perigoso com armadilhas mortais a cada metro quadrado. Aquele Clérigo deve ser chamado vez ou outra para enfrentar perigos como um necromante dominando uma cidade já que seu nível condiz com o desafio. Dessa forma aos poucos os jogadores vão sentir que possuem não só importância mas também utilidade naquele mundo.
Enfrentar um dragão vermelho ancião é divertido mas vencer uma guerra ou até parar uma é muito MAIOR que simplesmente matar uma criatura fantástica. Após a guerra quais seriam as consequências? Os jogadores virariam heróis daquela região? A outra região fez eles inimigos procurados com uma recompensa alta por eles? Essas consequências vão gerar ganchos de aventuras com níveis cada vez mais altos até que eles sejam de fato "heróis planares" onde enfrentar um Deus é algo que pode ser feito caso seja necessário.
A questão aqui é, enquanto os jogadores se sentirem úteis e que são desafiados de maneira equilibrada e bem feita eles vão querer jogar com aquele personagem.
Os 3 personagens que viraram NPC nas mesas que eu joguei hoje são donos de uma boa parcela de terra e servem de figuras públicas nobres para aventureiros que chegam na área de influência deles e até hoje eu os uso nas minhas aventuras de Forgotten Realms. Atualmente alguns jogadores da minha nova mesa sabem que tem a possibilidade de se tornarem NPCs caso cumpram os requisitos e provavelmente essa é uma ideia muito excitante para novos jogadores, serem imortalizados e terem uma função e não apenas serem esquecidos.

Jogar níveis épicos é extremamente divertido e gratificante quando construido com esmero e carinho do mestre. Não só isso, é animador fazer parte de algum acontecimento que gere alguma mudança naquele mundo de forma que aquilo se aplique nas próximas aventuras ou até sirva de material para outras mesas com jogadores totalmente diferentes.
Imagina só estar jogando uma aventura onde apenas você e o mestre se conhecem e um anão se apresenta para o grupo e você comenta baixinho "é meu personagem antigo, ele é muito irado!" e todos os jogadores vão perguntar pra você como isso aconteceu e provavelmente vão ter curiosidade de saber como ter um personagem NPC.
Eu não só gosto e jogar aventuras épicas como narra-las. Trazer problemas onde todo um continente pode ser afetado ou um aspecto daquele mundo vai mudar totalmente é algo muito bom de se planejar para fazer com que os jogadores quebrem a cabeça tentando resolver mistérios muito incríveis e derrotar monstros com poderes além da imaginação humana.
E é isso por hoje. Essa seria basicamente a motivação que eu tenho para gostar de jogar e mestrar aventuras longas até o nível épico. Mas e você, tem alguma motivação para jogar até um nível tão alto? Acha chato uma campanha tão longa ou acha chatos os níveis mais altos? Comenta ai sua opinião.
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